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sábado, 25 de julho de 2009

Como funcionava o esquema dos atos secretos do Senado

Como funcionava o esquema dos atos secretos do Senado
Mais de 500 atos da Casa não foram publicados quando deveriam ter sido.
Ex-diretor-geral seria principal responsável pelos atos, dizem investigados.


Um conjunto de cinco depoimentos colhidos pela comissão de sindicância que investigou o caso dos atos secretos do Senado mostra como funcionava o esquema. Os atos secretos seriam “uma rotina industrial” adotada ao longo de 14 anos de gestão da Casa do ex-diretor-geral Agaciel Maia - o suposto gerente dessa rotina. A comissão recomendou a abertura de processo administrativo contra Agaciel e contra o ex-diretor da Secretaria de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi.

Os depoimentos tomados em junho aos quais o G1 teve acesso se referem ao interrogatório de Agaciel, Zoghbi e outros três servidores ligados à publicação de atos administrativos. A leitura dos documentos revela que a “rotina industrial” dos atos, como é definida em depoimento por Zoghbi, começava de maneira totalmente legal ainda no gabinete dos senadores. Os parlamentares encaminhavam ofício solicitando nomeações e outras medidas ao diretor-geral, que teria o dever de editar o ato e encaminhá-lo à publicação. Era nesse intervalo, entre a mesa de Agaciel e a publicação, que as medidas passavam a ser secretas.

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Os atos ficavam retidos durante meses ou anos – dependendo da medida criada por eles – e só eram disponibilizados na intranet muito tempo depois. Quando eram publicados, os atos recebiam data retroativa e eram divulgados sem essa especificação na intranet. Assim, não era possível saber a data real da publicação. No caso dos atos de nomeação, as medidas recebiam o carimbo de “publique-se” e eram diretamente encaminhadas aos órgãos de contratação e pagamento como se já tivessem sido publicadas.

Em seu depoimento prestado à comissão, o ex-diretor de RH relata que, até 1996, a publicação dos atos era responsabilidade da Secretaria de Recursos Humanos. Em agosto de 1996, por meio do Ato 13 – ainda em vigor – da Comissão Diretora, a secretaria de RH perdeu o poder sobre a publicação dos atos, que foi transferido ao órgão chefiado por Agaciel. A partir desse período “todos os atos da Casa passaram a ter autorização para publicação”.

Os atos saiam da mesa de Agaciel “datados, numerados e assinados”, relata o ex-diretor de RH, que também afirma que “normalmente o diretor-geral passava o comando de publicar ou não, diretamente para o servidor do setor de publicação”. Eventualmente, Agaciel transmitia por telefone o comando de não publicar a Zoghbi. “O diretor-geral ligava para confirmar a eficácia do comando dado para não publicação”, relatou.

O procedimento já tinha, segundo o ex-diretor, um rito normal entre a Diretoria-Geral e o serviço de publicações. “O ‘publique-se’ vinha sempre da Diretoria-Geral.”


“Pressa” dos senadores era o problema, diz Agaciel
Informações do inquérito da Polícia do Senado, que investiga o ex-diretor-geral Agaciel Maia pela suposta nomeação indevida da servidora Lia Raquel Vaz no gabinete do senador Demóstenes Torres (DEM-PI) e a posterior transferência para o gabinete do senador Delcídio Amaral (PT-MS), também ajudaram a ilustrar a rede de procedimentos dos atos secretos.

Sempre negando a gerência sobre as medidas, Agaciel, em depoimento à Polícia do Senado, justificou que, nos casos de nomeação, os atos não eram publicados devido à “pressa” dos senadores em ter os funcionários registrados nos gabinetes. Em algumas ocasiões os parlamentares sequer enviavam o ofício pedindo a edição do ato de nomeação, a solicitação era feita diretamente por telefone a Agaciel. O grande volume de pedidos de exoneração e nomeação, segundo o ex-diretor, “teria tornado impossível a realização da comunicação e a autorização formal para a contratação de servidores”.

Ao relatar essa falha em função da pressa, Agaciel admitiu desrespeitar pelo menos uma determinação da Mesa Diretora. Trata-se da resolução 63/1997, segundo a qual é preciso uma ordem expressa dos senadores para a contratação de servidores para os gabinetes.

Em quatro horas de um detalhado depoimento que contou com 40 perguntas, Agaciel relatou aos agentes que, “apesar da resolução exigir a comunicação formal para os pedidos de nomeação, alteração e exoneração, na prática isso não seria possível pela grande quantidade de cargos comissionados criados posteriormente a essa norma e pela pressa ao início do exercício no interesse dos senadores”.

Procurador relata dinâmica dos atos
Um parecer de 18 páginas elaborado pelo Procurador da República José Robalinho Cavalcanti sobre os atos secretos também ilustra o "modus operandi" do caso. O procurador lembra depoimento prestado pelo chefe do Serviço de Publicação da Secretaria de Recursos Humanos, Franklim Albuquerque Paes Landim, que afirmou receber ordens diretas de Agaciel para “não publiar”, “não circular” ou “não disponibilizar” determinados atos administrativos na intranet da Casa.

A exemplo do relato do ex-diretor de RH João Carlos Zoghbi, o procurador da República também lembra que Franklim relatou em seu depoimento que Agaciel passava as orientações por telefone. Também era comum a orientação de não publicar ser repassada por e-mail ou telefonema realizado pelo chefe de gabinete de Agaciel, Celso Antônio Martins Meneses, diz o procurador.

Provas materiais como um bilhete assinado de próprio punho por Meneses ordenando “não publicar”, segundo o procurador, evidenciariam a prática de ocultar decisões administrativas. A diferença no relato de Franklim, segundo o procurador, é que o servidor afirmou que as ordens de “não disponibilizar” também eram repassadas por Zoghbi, “seu chefe hierárquico direto”, lembra o procurador.

A Subsecretaria de Pessoal Comissionado – que tinha de registrar os atos de pessoal para que tivessem efeitos, inclusive financeiros – recebia do serviço de publicação, primeiro em papel, e depois em meio eletrônico, cópia do documento original com o carimbo de “publique-se”, como se publicado estivesse, diz o procurador. “Esta aparência de regularidade induzia os demais setores do Senado a caminhar com as consequências do ato, sem verificação da efetiva publicação ou disponibilização do documento na intranet”, explica Robalinho.

Essa versão apresentada por Franklim foi confirmada por quatro servidores da área de publicação da Casa no relatório da comissão. “Agaciel tinha o maior domínio dos fatos e é apontado, pela unanimidade dos demais envolvidos, como fonte das ordens de não publicação”, afirma Robalinho.

Atos foram anulados
A comissão identificou inicialmente 663 atos não publicados ao longo dos últimos 14 anos. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), determinou a anulação de todas as medidas e a criação de uma comissão para analisar, em 30 dias, o efeito da anulação sobre as ações criadas pelos atos.

Até esta quinta-feira (23), esse grupo havia constatado que 152 atos haviam sido publicados conforme manda a Constituição. Entre as 663 determinações anuladas, pelo menos 218 ordenaram nomeações secretas. Nas próximas semanas, a comissão deve divulgar uma lista de servidores que serão exonerados em função disso.

Gravações
Diálogos gravados pela Polícia Federal (PF) com autorização judicial, durante a Operação Boi Barrica, incluem uma conversa em que o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, diz à filha, Maria Beatriz Sarney, que mandou Agaciel Maia, reservar uma vaga para o namorado dela. Os diálogos ligam José Sarney, ao ex-diretor-geral Agaciel Maia na prestação de favores concedidos por meio de atos secretos.

Apontado como namorado da neta do presidente do Senado, Henrique Dias Bernardes revelou ao G1 que não sabia que sua nomeação havia sido encaminhada por meio de ato secreto: “Sinceramente, não sabia".

Questionado sobre a gravação, Henrique foi direto. “Não tenho do que me envergonhar, nem pensar em pedir para sair daqui. Sou qualificado para cumprir essa função, cumpro meus compromissos com competência e isso pode ser comprovado por meus superiores”, disse.

Henrique Dias afirmou que tem um currículo mais do que qualificado para a função que exerce no serviço médico do Senado e pela qual recebe R$ 2,7 mil. “Para a Casa, é um privilégio me ter como funcionário”, afirma

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